Foi instalada, no último dia 10 de agosto, a Comissão Anísio Teixeira de Memória e Verdade da UnB. Quais perspectivas de atuação se colocam para a Comissão? Que papel ela pode desempenhar na história da Universidade?

Há dimensões essenciais que merecem destaque. A primeira delas é a necessidade de um conhecimento profundo, abrangente, articulado e coerente acerca do funcionamento dos mecanismos repressivos e das formas de resistência na UnB durante o regime civil-militar. Isso é o que se pretende com o relatório conclusivo, a ser apresentado à comunidade acadêmica após 18 meses de trabalho.

A segunda dimensão envolve a complementaridade. A Comissão Anísio Teixeira desenvolverá suas atividades por meio de um diálogo com instituições do Estado e organizações da sociedade civil. Uma das vertentes dessa interlocução poderá ocorrer com a Comissão Nacional da Verdade, instalada em 18 de maio de 2012, que já ofereceu à Comissão Anísio Teixeira, por intermédio de Paulo Sérgio Pinheiro, o uso de suas competências, garantidas por lei, de poder convocar depoentes e acessar sem restrições documentos relativos às violações de direitos humanos ocorridas nos últimos 50 anos. O relatório conclusivo da Comissão da UnB será enviado à Comissão Nacional, que deliberará acerca de seu aproveitamento, total ou parcial.

Outra vertente de diálogo poderá ocorrer com a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, para que sejam envidados esforços, por exemplo, para que seja conhecida a real causa da morte – ainda não esclarecida – de Anísio Teixeira, figura de importância ao mesmo tempo local e nacional. Já existe Termo de Cooperação celebrado com a Comissão da Anistia do Ministério da Justiça, em cujos arquivos – compostos por cerca de 70 mil processos de reparação – encontram-se muitos casos relacionados à Universidade de Brasília.

Para além dessas dimensões, outro desdobramento deve ser lembrado. Uma comissão que se estabelece numa universidade traz consigo a perspectiva do aprendizado. Ela não se destina apenas a escrever um relatório voltado unicamente para o passado – o que não seria pouco. Instalada em um tempo presente rico de transformações, ela aponta para o futuro.

Ao tomar a decisão de constituir uma Comissão de Memória e Verdade, a UnB projeta sua história num horizonte intergeracional. Quando decide dar voz aos perseguidos políticos, desvelar os procedimentos do regime autoritário e investigar documentos dispersos em várias instituições e coleções, a Universidade reconhece a importância, no presente, desse conhecimento do passado. Não há atividade histórica que não mantenha alguma expectativa em relação ao futuro. Isso vale para os trabalhos da Comissão Anísio Teixeira.

Não é apenas com o teor do relatório que esperamos sensibilizar a comunidade acadêmica. Nossa intenção é também a de convidar todos os segmentos que compõem a UnB – docentes, discentes, servidores – a engajar-se nas atividades da Comissão e continuar a (re)escrever, para o futuro, a história da opressão que se abateu sobre a Universidade e os atos de resistência que aqui se manifestaram.


Cristiano Otávio Paixão Araújo Pinto é coordenador de relações institucionais da Comissão Anísio Teixeira de Memória e Verdade da Universidade de Brasília. É professor da Faculdade de Direito, da UnB, professor visitante do máster oficial em Direito Constitucional, da Universidad de Sevilha e Procurador Regional do Trabalho (MPT/MPU). 

José Otávio Nogueira Guimarães é coordenador de investigação da Comissão Anísio Teixeira. É professor do Departamento de História, da Universidade de Brasília, co-líder do grupo de pesquisa Direito e História: Políticas de Memória e Justiça de Transição e membro do grupo de pesquisa Archai: As Origens do Pensamento Grego, da mesma universidade.